sábado, 29 de dezembro de 2007

TriBhutto

Entre a cela e o quarto
O próprio amor
Entre o dia e a noite
O banho de sol
Entre a mente e o coração
O longo caminho do ideal
Entre a terra e o céu
O inconfessável
Entre os filhos e a mãe
O Édipo inviável
Entre o esquerdo e o direito
O todo e sua prodigiosa
Entre o poder e a glória
O querer de seu povo
Entre a paz e a guerra
O estado de terror
Entre o vivo e o morto
O horror de Bhutto
Entre a festa e o luto
O bruto do homem
Entre a vida e a morte
O ato bestial e insano
Entre a vontade e o fato
O covarde da coragem
Entre o anúncio e o feito
O sacrifício do eleito
Entre o golpe e o rosto
O manto do desgosto
Entre a ira e o intolerante
O sangue derramado
Entre a cruz e a espada
O pescoço cortado
Entre o bem e o mal
O credo sem razão
Entre Allah e o Diabo
O equívoco consagrado
Entre o sal e a bênção
O martírio em vida
Entre o casto e o mundo
O poço mais fundo
Entre idas e bem-vindas
O elevar da bem-querida
Entre a água e o vinho
O dedo do Divino
Entre o risco e o fatal
O Deus Destino

“Justiça não se faz
com as próprias mãos,
felicidade sim.”
Benazir Bhutto, 1953-2007

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Pai Meu

Perdoa–me
pelo mau uso que faço do meu corpo,
pelo ocaso da alma e o triste de minha vida
Perdoa-me
por deixar o espírito vagar à toa,
pois um filho teu a ti deve reverência
Perdoa-me
por abandonar toda e qualquer fé,
por rejeitar minha própria consciência

Ajuda-me
a recuperar o fôlego e voltar à luta,
a retomar os caminhos pelos quais me guiaste
Ajuda-me
a merecer algo de tua atenção,
a implorar para que me dês a tua mão
Ajuda-me
a ver a vida com olhos de criança,
a vencer a indiferença do meu coração

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Coragem

Na grande maioria das vezes,
cumprimentar um inimigo exige
muito mais coragem e altivez
do que enfrentá-lo bravamente.

Amizade

Dizer que é velha esta amizade eu não posso. É recente porém ancestral. Goza do bem-querer e da fidelidade; da saudade e do pensamento que nem décadas de depósitos em confiança poderiam afiançar.
Digo que é inexplicável como todo sentimento que parece incondicional e, às vezes, unilateral.
Implacável e invencível como costumam ser os fenômenos desta natureza, sobreviverá. Longeva, será sim perpetrada.
O instinto, a parte da vida que sempre encontra uma forma de continuar a existir, haverá de fazer com que, de virtuosa que é, tal estreiteza perdure... Ainda que à distância.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Dito

Ao contrário do que dita o dito:
a intenção não vale nada.
O que tem ou não valor
é o homem que está por trás dela.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Limites

Perdeu a noção. É, só pode ser isso!
O aceitável perdeu a noção dos limites. Talvez culpado seja o hábito, esse algoz cruel, capaz de transformar até o que há de mais aviltante em algo suportável.
Verdade que os limites do aceitável sempre foram, para esta inteligência, áreas de árdua identificação. Mas eles existiam, eram temidos e, com certeza, evitaram que eu fizesse ainda mais asneiras. Quebrasse uma vidraça ou me apropriasse indevidamente de um punhado de cruzados, cruzeiros, ou de qualquer outro desses papéis que costumamos chamar de dinheiro e pronto... Já tinha eu, uma criança ainda, transposto a fronteira, a tênue linha que separa os bons dos maus. E ouvia com uma ponta de sarcástico prazer, que à época não sabia ser sarcástico e nem prazer. Mas sim, era algo diferente que, de alguma maneira, me agradava:
- Menino, você ultrapassou os limites do aceitável!
Já nos dias de hoje, tempos em que tudo, ou quase, é aceitável e nos quais para nada parece haver limites, não é de se admirar que o bem e o mal mancomunem-se e culpem a oportunidade, essa desdita, famosa por fazer o ladrão.

Pergunta&RespostaIV

Que saudade dos tempos em que a pergunta era:
que país é este?
Que medo de tempos em que a pergunta é:
em que mundo nós estamos?

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O Extraordinário

Ficarei feliz o dia, e se, conseguir pensar e escrever como fala João Ubaldo Ribeiro, ao vivo e de improviso, em uma rede de TV por assinatura. Calçando sandálias, vestindo bermudão, camisa social com mangas arregaçadas e peito aberto, o homem é um nobre. Esbanja carisma, inteligência e transpira emoção. É de uma nobreza incomum, imortal. Claro, exato, contundente, um soberano na arte de articular também a palavra falada. O jeito não lhe nega a raça, é baiano. Enquanto fala faz gestos amplos, mas sem espalhafato, apenas o indispensável para a eficiência da narrativa. Parece estar sempre à serviço da expressão, do drama. No olhar, força suficiente para atravessar as grossas lentes do inconfundível, superdimensionado e inseparável par de óculos. Para Ubaldo Ribeiro, este João, não há papas: na língua nem no Vaticano!
É católico confesso, mas apenas por culpa e pura educação.
Quando perguntado sobre religião, arte ou política, responde com a mesma picardia e fluência com as quais discorre sobre sua vida sexual. Destila bons e maus humores, rebate qualquer pergunta com efeito indefensável. Surpreende até mesmo quando repete a mesma palavra, várias vezes, durante os quatro blocos da entrevista: extraordinário. Coisa de gênio!

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Pergunta&RespostaIII

Nem toda pergunta tem resposta.
Mas em qualquer resposta é possível
encontrar inúmeras perguntas.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Honestidade

A solidão é condição básica
para quem pretende ser honesto consigo mesmo.
A simples presença de outras pessoas
é capaz de corromper.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Ode ao Exagerado

Minha atração pelos exagerados sempre foi grande e confessa. Desde criança gosto dos palhaços mais espalhafatosos e doidões, das pipas mais coloridas, dos malabaristas que voam mais alto.
Hoje, já com a idade que tinha meu pai naquela época, vejo as coisas com os mesmos olhos. Não, não acho que seja retardo nem imaturidade. É simples: eu acredito que o exagero é uma das características inerentes a todo aquele que é apaixonado por um esporte, profissão ou mulher, por mais ingrata que seja. É necessário ser passional para ser despudoradamente verdadeiro e inconseqüentemente justo.
A vida ao lado de um exagerado pode não ser fácil, mas é, no mínimo, movimentada. Um sobe e desce frenético de amores, temores, sonhos, euforia e desilusão, tudo ao extremo, sempre.
Estes sujeitos, que não conhecem ou ignoram soberanamente o meio-termo, são os encarregados de tocar fundo e fazer arder a ferida alheia.
Impiedosos! Assim eles são e assim deveríamos ser. Mas não somos.
A maioria, como eu, e quem sabe você, no fundo, sente alguma culpa, algum remorso.
"Pois aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo em cima do muro" como tão bem cantou Agenor de Miranda Araújo Neto, o mais autêntico e nacional representante dos desmedidos.
Forças midiáticas e mitificantes converteram até os inconvenientes, e principalmente, os excessos fatais em demonstrações idealizadas de coragem e desapego. Algo distorcido, um tanto desvirtuado, com embalagem e rótulo de ideologia, o exagero fincou raízes na indústria cultural. O exagerado perdeu sua identidade, sua idoneidade moral, e, o que lhe é mais cruel, sua verdade artística.
Os cabelos, as roupas, os modos, a imagem, até o suicídio perdeu credibilidade. Há muito tempo deixou de ser coisa de mártir, inconformista levado à loucura ou efeito adverso de drogas devastadoras e de convicções nefastas, para virar outro clichê de marketing. De tão explorado, o exagerado ficou enfadonho, débil, infantil.
A correção política conseguiu-se driblar com facilidade. Sem nunca esquecer, é lógico, que nossos políticos dão muito bom caldo para humoristas, críticos e sarristas de plantão.
Foi o bom-humor, essa arma genial e poderosíssima, que a elite intelectual usou, de maneira sofisticada e sagaz, para fazer cair no esquecimento o politicamente correto.
O problema é que o exagerado prova seu inestimável valor exatamente neste momento, bem na hora em que se tenta, se peleja e não se encontra nada nem ninguém que o possa debelar ou que seja capaz de substituí-lo.
Tanto é que Elvis está vivo e Cazuza não morreu.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Pergunta&RespostaII

A resposta que realmente vale a pena
não é aquela que esclarece,
e sim a que destrói a pergunta.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Sufoco

A necessidade pode
sufocar nossa vontade,
mas não pode
calar nossa verdade.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Preferência

É preferível viver com
a dor da solidão,
a deitar-se com a mágoa
da desilusão.

Devo e não nego

Posição ingrata e desconfortável essa que me obriga a exercer um equilíbrio que não é natural da minha personalidade, que me enfastia soberanamente. Mas, apesar de tudo e de todos, devo prosseguir.
Devo isso a mim mesmo, aos meus pais, amigos e parentes. Ao banco e à síndica do predinho de três andares o qual habito. É ela quem recebe o condomínio.
Devo ao espelho, que todas as manhãs me cobra impiedosamente.
Devo ao travesseiro, que noite trás noite me enche de perguntas para as quais pelejo, mas não encontro respostas.
Devo à minha consciência, que teima em se sentir suja e que, por mais esguia, insiste em pesar cada dia mais.
Devo aos anos passados tudo o que poderia ter feito e não fiz.
Devo ao futuro que espera de mim algo que, muito provavelmente, não farei.
Devo à minha cachorra, que a mim dedicou amor incondicional ao qual não tive lastro para retribuir.
Devo à minha ex-mulher. A ela devo quase tudo o que sou de bom. E também algo de ruim.
Devo desculpas aos meus avós cuja vida e morte ignorei. Ao meu pai devo o esforço, o suor e o sêmen derramado em vão. À minha mãe, devo pagar o preço da decepção. Ao meu falecido irmão devo reverências. Ao meu psiquiatra não devo nada. Já paguei e caro.
Parafraseando um reconhecido jornalista, diria que: quem não deve, não tem. Portanto, prosseguir significa continuar devendo sem poder pagar, continuar sendo cobrado muito além da conta.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Alimentação

Alimentar expectativas é perigoso:
elas crescem, engordam e te devoram.
Por outro lado, não alimentá-las
é tedioso e quase sempre dá na mesma.

Vícios

Tive dois vícios que amei:
o álcool e as mulheres.
O álcool eu larguei.
As mulheres me abandonaram.

OqFoiFeitoDmim

A necessidade fez de mim um covarde
A falta de coragem fez de mim um fraco
A fraqueza fez de mim um homem triste
A tristeza fez de mim um homem duro
A dureza fez de mim um homem só
A solidão fez de mim um homem

O homem fez de mim seu escravo
O escravo fez de mim seu feitor
O feitor fez de mim seu açoite
O açoite fez de mim seu grito
O grito fez de mim seu choro
O choro fez de mim sua criança

A criança fez de mim sua brincadeira
A brincadeira fez de mim sua graça
A graça fez de mim sua gargalhada
A gargalhada fez de mim sua vítima
A vítima fez de mim sua alma
A alma fez de mim seu refúgio

O refúgio fez de mim um prisioneiro
O prisioneiro fez de mim o escuro
O escuro fez de mim um medroso
O medroso fez de mim um fugitivo
O fugitivo fez de mim um desconhecido
O desconhecido fez de mim seu inimigo

Ovo

Eu sou todo errado:
nasci do avesso
e com o ovo virado

Humanos

Os grandes conflitos da humanidade
não são causados pelo ódio nem pelo ego.
Quem os provoca é ela: a vaidade.

Tamanho não é argumento

O pessoal por aí não se cansa de bravatear que quanto menor o texto, melhor, porque quem escreve muito não sabe exatamente o que quer dizer e outras invencionices e disparates do tipo.
Coisa de quem é pouca prática ou de quem nunca abraçou o verbo escrever como sendo sua profissão de fé.
Um sorriso, um aceno, um dedo em riste, uma lágrima, até um trupicão é um texto curto.
Texto curto é expressão. Comunicação é diferente. Exige mais tempo e espaço, tanto de quem lê quanto de quem escreve.
Aliás, este texto já está maior do que era para ser exatamente porque tento aqui comunicar um pensamento com o qual você, que está aí lendo, poderá concordar, discordar e até me xingar. Não estou pura e simplesmente querendo expressar uma idéia através de uma frase de efeito, que me faça parecer um cara esperto e mordaz.
Para encerrar o assunto, peço licença, convido e dou passagem ao mestre Millôr Fernandes que já disse:
- Os chineses inventaram, e tudo que é bobo repete, que uma imagem vale mais do que mil palavras. Agora tente dizer isso sem palavras.

Pergunta&Resposta

Para muitas perguntas,
o silêncio ainda continua sendo
a única resposta plausível.

O Dia Vai Chegar

Chegará o dia em que nunca terei sido só
Chegará o dia em que terei grandes e velhos amigos
Chegará o dia em que meus erros serão justificáveis
Chegará o dia em que meus acertos serão memoráveis
Chegará o dia em que meus desafetos se curvarão
Chegará o dia em que não terei mais críticos
Chegará o dia em que tudo o que fiz terá valido a pena
Chegará o dia em que todos desejarão meu bem
Chegará o dia em que vozes não mais me difamarão
Chegará o dia em que terei sido um bom menino
Chegará o dia em que terei sido um homem sério
Chegará o dia em que terei sido um grande profissional
Chegará o dia em que meu caráter será reconhecido
Chegará o dia em que dirão que nunca fiz mal a ninguém
Chegará o dia em que todos me olharão com algum respeito
Chegará o dia em que todos a mim devotarão compaixão
Chegará o dia em que tudo o que eu disse será verdade
Chegará o dia em que tudo o que disseram será mentira
Chegará o dia em que abrirão caminho para eu passar
Chegará o dia em que me carregarão até meu leito
Chegará o dia em que terei ido ainda cedo demais
Chegará o dia em que voltarei a ser jovem
E neste dia, eu não chegarei

Vida Que Me Leva

Os outrora amigos, hoje banidos, sumidos e nunca mais vistos, são os cacos da esperança que eles mesmos quebraram e que ninguém conseguirá, em vida, juntar.
Tantas coisas que não queria já aconteceram e tantas coisas que não quero as vejo acontecer, que as lembranças se converteram nos restos dos quais se alimenta o espírito em sua busca incansável de não-se-sabe-o-quê.
Lembranças de pequenas batalhas vencidas, do ardor de suas queimaduras e do vôo de suas cinzas lançadas ao mar de uma vida que vai a deriva.
Quando o guerreiro é vencido, até mesmo em seu pedido de paz, só lhe resta declarar guerra a si mesmo e promover a mais solitária de todas as revoluções.
Cumprir, uma vez mais, o escrito que dita a todo e qualquer dissonante ou revolucionário que este começará, seguirá e chegará só ao final de cada uma de suas batalhas, terminando assim por perder toda guerra que comprar e, derrotado, nem sempre voltará, e se voltar, nem sempre encontrará comida no fogão, bênção, beijo ou espera no portão.
Assim mesmo é a vida: passa e seca.
Nadar, nadar e não morrer. A praia distante impõe ao sobrevivente da batalha vigente o desconforto do afogado, mas nunca o alívio da partida.
É água salgada na ferida. Coisas da vida que vai a deriva. Coisas de que ninguém se livra.
O vento que dava a direção, hoje só faz trazer destruição. O tormento de um impiedoso furacão de coincidências varrendo do mapa e da vida o que restava de sol.
O sol da ilusão eternamente eclipsado pela certeza da realidade que uns ainda ousam chamar maturidade.
Assim é que a vida passa e lesa.
Sem honras nem méritos, o tempo voa enquanto a vida caminha a passos de tartaruga coxa.
O gosto de glórias e conquistas passadas se torna, a cada dia, mais e mais amargo e intragável.
Dias, semanas, meses, anos e até séculos passam, mas vida parece que não. Eterno recomeço que já é findo.
O tic-tac, antes do relógio, agora é o alarme da bomba armada pelo tempo: 37, 38, 39, 40, aqui não há contagem regressiva.
Vida que vai a deriva. Vida que passa e se encerra, me leva.

O Avesso do Contrário

O despertador fez mmmirT
O relógio batia caT-ciT, caT-ciT
O passarinho cantava uiP-uiP
O cachorro latia uA-uA
O gato miava uaiM
O mosquito zunia muuuZ

A campainha fez gniD-gnoD
A criança chorou áááuB- áááuB
A tosse coçava foC - foC
A buzina tocava moF- moF
A chuva caia áááuhC
A moça disse uahcT, uahcT

A televisão fez milP-milP
A vaca mugiu úúúM
A galinha fez óC-iR-ócóC
A cabrita berrou éééM
A menina falou iU-iU
A moça disse uahcT, uahcT

O raio caiu mubaK
O sirene soou óóófiF-óóófiF
O mal expulsou mihctA
O menino sentiu iA-iA
O carro se foi mmmurV
O bater da porta coT-coT

A vida está de trás para frente
Ou eu virei do avesso

Detalhes

Se os homens fossem mais detalhistas,
o mundo seria bem melhor no geral.
E se as mulheres fossem menos detalhistas,
o sexo seria bem mais divertido e liberal.