Ode ao Exagerado
Minha atração pelos exagerados sempre foi grande e confessa. Desde criança gosto dos palhaços mais espalhafatosos e doidões, das pipas mais coloridas, dos malabaristas que voam mais alto.
Hoje, já com a idade que tinha meu pai naquela época, vejo as coisas com os mesmos olhos. Não, não acho que seja retardo nem imaturidade. É simples: eu acredito que o exagero é uma das características inerentes a todo aquele que é apaixonado por um esporte, profissão ou mulher, por mais ingrata que seja. É necessário ser passional para ser despudoradamente verdadeiro e inconseqüentemente justo.
A vida ao lado de um exagerado pode não ser fácil, mas é, no mínimo, movimentada. Um sobe e desce frenético de amores, temores, sonhos, euforia e desilusão, tudo ao extremo, sempre.
Estes sujeitos, que não conhecem ou ignoram soberanamente o meio-termo, são os encarregados de tocar fundo e fazer arder a ferida alheia.
Impiedosos! Assim eles são e assim deveríamos ser. Mas não somos.
A maioria, como eu, e quem sabe você, no fundo, sente alguma culpa, algum remorso.
"Pois aquele garoto que ia mudar o mundo, agora assiste a tudo em cima do muro" como tão bem cantou Agenor de Miranda Araújo Neto, o mais autêntico e nacional representante dos desmedidos.
Forças midiáticas e mitificantes converteram até os inconvenientes, e principalmente, os excessos fatais em demonstrações idealizadas de coragem e desapego. Algo distorcido, um tanto desvirtuado, com embalagem e rótulo de ideologia, o exagero fincou raízes na indústria cultural. O exagerado perdeu sua identidade, sua idoneidade moral, e, o que lhe é mais cruel, sua verdade artística.
Os cabelos, as roupas, os modos, a imagem, até o suicídio perdeu credibilidade. Há muito tempo deixou de ser coisa de mártir, inconformista levado à loucura ou efeito adverso de drogas devastadoras e de convicções nefastas, para virar outro clichê de marketing. De tão explorado, o exagerado ficou enfadonho, débil, infantil.
A correção política conseguiu-se driblar com facilidade. Sem nunca esquecer, é lógico, que nossos políticos dão muito bom caldo para humoristas, críticos e sarristas de plantão.
Foi o bom-humor, essa arma genial e poderosíssima, que a elite intelectual usou, de maneira sofisticada e sagaz, para fazer cair no esquecimento o politicamente correto.
O problema é que o exagerado prova seu inestimável valor exatamente neste momento, bem na hora em que se tenta, se peleja e não se encontra nada nem ninguém que o possa debelar ou que seja capaz de substituí-lo.
Tanto é que Elvis está vivo e Cazuza não morreu.