Doutor
Parado ele fica ali. Contempla e faz suas considerações sobre algo muito delicado e que trata de maneira pouco zelosa. Aquele é o lugar onde costuma pensar na vida.
Na dele e na dos demais, já que há tempos concluiu que cuidar da vida dos outros é bem mais fácil, e dá muito menos trabalho, do que tratar da própria.
Sente saudade de uma existência a qual nunca experimentou, de tempos em que não viveu. Sofre desesperadamente por paixões nunca correspondidas. Padece de um platonismo crônico. Escreve cartas as quais nunca envia e lamenta reentrantemente as respostas não recebidas. Recita poemas ao vento. Conta estrelas observado por São Jorge, com quem se confessa tendo a solitária lua como testemunha. Mas não se trata de mais um vagabundo, de um trotamundos qualquer... O homem é doutor.
Seu único ato irresponsável foi confiar a si mesmo o próprio destino. Enveredou então pelos caminhos que levam ao poço que espreita, que fica à espera de quem se perde na desesperada tentativa de encontrar uma saída.
Mesmo asim, jura que ainda estará vivo e assistirá de camarote à grande mudança.
Aos que o acham delirante e totalmente dispensável, arrazoa.
- Eu estou aqui, fazendo absolutamente nada além de imaginar algo que poderia, mas provavelmente não farei.
Em seguida, ele inquire:
- E vocês aí me olhando... Tão fazendo o que mesmo?